Vivam e reinem as Camilas e as Marisas
É evidente que tenho muitas críticas ao carnaval como ele é apresentado agora. Talvez pelo saudosismo já que queiramos ou não sempre vamos considerar que aquilo que existia em tempos anteriores era muito melhor; seja pela visão contrária a transformação dessa grande festa em algo meramente comercial; seja pelo afastamento rápido e considerável dos criadores, cuidadores e produtores da cultura negra para as escolas de samba, os ditos enredos, sambas enredos, sambas de quadra (samba de partido alto) e outros.
O carnaval, em si, não foi criado pelos negros e seus descendentes e nem tinha destinação para os mesmos. Aliás, essa festa nem é brasileira, afro-brasileira e nem africana. Como já foi confirmado por alguns historiadores a tal comemoração é de origem européia e “teve a adesão” do povo negro exatamente pela “complacência” dos senhores que colaboravam para que o povo negro trazido apresado de seus países no continente africano e fosse aqui, destituído de sua honra, de sua dignidade, transformado em coisa, em mercadoria. Os tais senhores de escravos.
“Sob o domínio” da igreja católica que era o braço auxiliar do poder na época, o carnaval era a tal festa pagã, talvez para que todos pecassem e após o tal ato voltariam a organização religiosa com o objetivo de pedir perdão. As religiões cristãs vivem muito alguma situação semelhante a isso; ou seja: do pecado para o perdão; de demônios, que para os tais tutores das citadas religiões são figuras extremamente tentadoras, para seus deuses e protetores.
Aval da carne, carne livre, era a “festa pagã” onde “todos” poderiam se envolver e se era assim porquê proibir esses momentos de “liberdade” às negras e negros escravizados, já que muitos do agrupamento quando havia piedade de alguns padres também podiam assistir a missa, é evidente que de pé e lá no fundo, mas eram considerados católicos.
História à parte e seguindo para momentos mais próximos de nós, não faz muito tempo que fazer carnaval, com tambores, batucada era iniciativa e rotina do povo negro. Havia uma conivência diuturna da família negra nos terreiros das escolas de samba assim como nos cantos sagrados onde eram louvados os nossos orixás muitas vezes até amalgamando as duas opções ou complementando-as. Como se fala na linguagem de hoje, era uma atividade da comunidade com pouco ou quase nenhum apoio oficial e sem participar de projetos turísticos/comerciais.
É evidente que com o crescimento da população, a modernidade, a necessidade de sobrevivência e as novas exigências que são elencadas para que a vida das famílias não fuja de sua normalidade é muito bom que o carnaval nos centros mais organizados do país tenha se transformado nessa atração comercial e turística trazendo divisas para o nosso Brasil. É muito bom que muita gente que vive o carnaval 365 dias por ano possam tirar daí o seu sustento e o de sua família. O que é interessante observar é que a partir do momento que existem as transformações e conseqüentemente a entrada do capital nas grandes organizações através de grandes patrocínios é cerceada, direta ou indiretamente, a participação mais ampla do povo negro e seus descendentes a partir dos cargos de direção dessas instituições até, na maioria das vezes, da produção de seu produto haja vista a pequena parcela da tal figura do cognominado carnavalesco no meio da comunidade negra. Hoje há também uma quantidade pequena do povo negro entre os elaboradores de temas enredo assim como nos grupos que compõem o samba/marcha que é entoado na avenida. Em grandes instituições de carnaval “há a necessidade” de participação em grupos que atuam com investimentos, no sentido de “divulgar” os seus feitos, na maioria das vezes fora do alcance de um compositor da comunidade.
A força da grana transforma as escolas de samba antigamente discriminadas, hoje, principalmente nas de grupo especial tornou-se situação comum terem em frente ao coração das mesmas, as suas baterias, sejam como rainhas ou madrinhas, mulheres brancas, arianas, completamente estranhas a comunidade que a escola representa, oriundas das programações folhetinescas das emissoras de televisão ou programas de gosto duvidoso da mesma origem em busca de um sucesso rápido fazendo de sua apresentação/participação currículos para, na maioria das vezes manter o seu vinculo com esses meios de comunicação e tentar abrir uma nesguinha no meio da sociedade abastada e hedonista.
Para as pessoas do meio do samba é quase impossível ver e entender um desfile com enredo, representação e significado das alas e outros de uma agremiação de samba, como foi concebido, apresentado no vídeo dos nossos aparelhos, pois as tais empresas, ditas de comunicação, estão muito mais interessadas em mostrar as brancas nuas em destaque, que na maioria das vezes nada tem a ver com o tema enredo ou são introduzidas através do jeitinho brasileiro também transformado em usufruto pelos produtores do carnaval, os tais carnavalescos de plantão.
Sem entrar no mérito de quem está na diretoria de tais instituições esse artigo/crônica/desabafo tem o objetivo de parabenizar as escolas de samba de São Paulo: Mocidade Alegre por ter mantido como rainha da bateria a jovem Marília Silva e a Vai Vai pela Camila Silva, pessoas jovens, mas com grande vivência no samba paulistano. Que vivam e reinem essas jovens rainhas e que um dia quando forem substituídas que sejam por pessoas que desempenhem a função com a mesma capacidade, ou melhor, do que as duas protagonistas.
Havia terminado o texto quando fui informado que a minha escola, a Vai Vai, é a grande campeã do carnaval de 2011. Mando por aqui o meu abraço, minhas congratulações, meus respeitos, a todos os membros da Comunidade Saracura do Bixiga e principalmente ao nosso presidente, Darly Silva, o Neguitão, Thobias da Vai Vai, nosso eterno puxador, aos diretores de todas as comissões, todas as alas, a todos que desfilaram, a grande torcida da alvinegra paulistana e um destaque especial ao grande maestro, Tadeu, nosso Diretor de Bateria.
Deixa-me pensativo e emocionado o resultado total da apuração dos desfiles do grupo especial constatando que duas escolas tradicionais como: Nenê da Vila Matilde e Unidos do Peruche foram as menos pontuadas, merecidamente ou não e foram rebaixadas para o grupo de acesso em 2012. Que todos aqueles que direta ou indiretamente estão ligados a essas equipes que dêem força total para que consigam já em 2013 estarem de volta ao grupo de elite do nosso carnaval.
Ah, parabéns a Comunidade Verde e Branco da Barra Funda pela volta da grande e tradicional escola desse bairro da Zona Norte de São Paulo por terem conseguido fazer com que a sua escola: Camisa Verde e Branco voltasse ao grupo principal de onde jamais deveriam ter saído. Demorou.
Geraldo Potiguar do Nascimento
kimbira@yahoo.com.br
Twitter: @geponas
quarta-feira, 16 de março de 2011
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